Dengo, de chocolates, lança “venda por streaming” nas lojas fechadas

Fabricante de chocolates premium, co-fundada por Guilherme Leal, da Natura, inaugurou serviço para clientes tirarem dúvidas ao vivo na hora da compra.
O coronavírus fez as empresas reiventarem sua operação de integração entre lojas físicas e e-commerce. Mas a fabricante de chocolates brasileira Dengo, decidiu dar um passo além no movimento. Com todas as suas 18 lojas em shoppings, hoje fechados, a empresa inaugura nesta semana uma funcionalidade em que o cliente pode falar com o vendedor durante as compras por meio de uma transmissão ao vivo — quase como adentrar a loja física, mas, pela internet.
Ideias nesse sentido já vinham sendo pensadas há um ano, mas a pandemia foi a hora de tirar o projeto do papel, diz o presidente e fundador da Dengo, Estevan Sartoreli. “É uma forma de tirarmos dúvidas dos clientes e também de continuarmos próximos, amenizando um pouco da frieza de só comprar por meio de uma tela automática”, diz.
O experimento está sendo feito na unidade do shopping Eldorado, em São Paulo. Como no mundo físico, há horário de atendimento no streaming: das 12h às 20h, no mesmo período em que a loja fica aberta para receber pedidos de plataformas de entrega. Há somente um funcionário na operação, por motivos de segurança.
Na ferramenta por streaming (que será opcional nas compras online), o cliente conversa com o vendedor via chat, enquanto consegue vê-lo e ouvi-lo ao vivo e até interagir com elementos da loja, como num jogo. Ao clicar em uma barra de chocolate na prateleira atrás do vendedor, por exemplo, aparece uma lista com descrição e mais informações sobre produtos daquela categoria. Caso tenha uma dúvida, o cliente pode perguntar. O vendedor, então, responde no vídeo ao vivo, como em uma espécie de live. Tiradas as dúvidas, a compra pode ser finalizada normalmente no site.
A plataforma foi estruturada para suportar diversos clientes online ao mesmo tempo. A Dengo diz que é a primeira a fazer um modelo deste tipo no Brasil. Para o projeto, teve parceria da plataforma de e-commerce Vtex, que tem clientes cujas lojas funcionam em mais de 25 países.
Além do e-commerce tradicional que será contemplado por meio do streaming na loja, a Dengo já vinha operando em meio à pandemia com vendas por WhatsApp e com startups de entrega como Rappi e iFood em São Paulo, em que os pedidos são entregues em poucas horas.
O e-commerce representava entre 1% e 2% do faturamento da Dengo antes da crise. Apesar da alta de mais de 100 vezes em vendas, sobretudo em meio à Páscoa, que coincindiu com o começo do isolamento social no Brasil, Sartoreli afirma que dificuldades como o custo do frete são um desafio extra para o casamento entre chocolates e e-commerce. “Tem barra nossa que custa 19 reais, mas o frete custa 20”, diz. A empresa oferece frete grátis nas compras acima de 100 reais.
As barreiras logísticas estão entre as maiores travas que barram uma maior expansão das vendas de alimentos perecíveis no Brasil. O setor de alimentos e bebidas, que inclui os chocolates, ainda engatinha no país e respondeu por cerca de 1,5% de toda a receita do e-commerce brasileiro em março, segundo a empresa de inteligência Compre&Confie.
Para evitar prazos longos de entrega, as vendas online na Dengo só estão disponíveis agora para estados onde há lojas físicas. A maior parte das lojas está em São Paulo (incluindo em Campinas e Barueri, no interior), mas há também unidades em Brasília, Curitiba e Rio de Janeiro. Cerca de 80% dos pedidos são entregues no dia seguinte à compra, com muitos sendo entregues no mesmo dia. “O chocolate não pode demorar para chegar a ponto de ficar derretido e perder a qualidade”, diz Sartoreli.
O desafio do premium no isolamento
A ideia de manter o vendedor tirando dúvidas ao vivo é particularmente importante no modelo de negócio ao qual se propõe a Dengo. A empresa vende chocolates mais premium, feitos com cacau 100% brasileiro e sem açúcar e gordura hidrogenada. Há no catálogo sabores para além dos tradicionais branco, ao leite e amargo — de recheio ou pedaços de cupuaçu, macadâmia, ganache de laranja e castanhas a amêndoas brasileiras torradas e cobertas com pó de cacau. Os vendedores são preparados para tirar dúvidas dos clientes sobre os sabores e dar indicações.
Os produtores parceiros, pequenos plantadores de cacau na Bahia, recebem pagamento mais de 70% maior do que a média do mercado. O chocolate é então feito em uma fábrica da Dengo em São Paulo.
Além de Sartoreli, que passou 12 anos na Natura, a Dengo foi co-fundada por Guilherme Leal, sócio-fundador da gigante de cosméticos — o que lhe rendeu alcunhas como a “startup de chocolates” de Guilherme Leal. O nome bem brasileiro reflete parte da origem da empresa, que teve a semente plantada quando Leal comprou uma propriedade no sul da Bahia e passou a conhecer melhor a região.
Na contramão de concorrentes durante a Páscoa, a Dengo não vendeu em serviços de marketplace de grandes varejistas online ou fez parcerias para vender em pontos físicos que ainda estão abertos — como supermercados e farmácias. Para Sartoreli, o formato ainda impossibilita a empresa de ter um maior contato com o cliente.
“Sem a experiência, sem o cliente entender mais sobre o produto, se você me colocar ao lado de um chocolate de 2 reais, vai parecer que somos uns grandes oportunistas”, brinca. “Também tira a questão do presenteável, de você ver aquilo como especial, que é muito importante no nosso modelo de negócio.”
A empresa tem desde pequenas barrinhas a 10 reais a ovos de chocolate por mais de 100 reais, com preço médio do quilo de chocolate na casa dos 200 reais. O objetivo é competir com fabricantes estrangeiras e nacionais posicionadas no segmento de chocolate premium, como Lindt, Kopenhagen e Cacau Show. “Não somos mais caros do que essas outras empresas posicionadas nessa categoria”, diz Sartoreli. “Nosso preço não é maior ou menor por pagar bem nossos produtores. O custo sai da nossa própria economia, de um modelo enxuto e de startup, da melhoria da nossa eficiência.”
Legado da Páscoa
O setor de chocolates foi particularmente afetado com o isolamento social começando dias antes da Páscoa — segundo a empresa de análise de crédito Boa Vista, as vendas caíram 33%. Mas houve ao menos um ponto positivo em viver a Páscoa no meio do coronavírus: como, durante o período, chocolate entrou na categoria de compras “essenciais” para os consumidores, muitos acabaram testando e se adaptando às compras de chocolate online pela primeira vez. Agora, com o comércio ainda sem perspectiva de reabrir, essas compras serão essenciais.
Na Dengo, Sartoreli diz que as vendas online seguem com alta de dois ou três dígitos mesmo passada a Páscoa. “Há esse movimento de muitos clientes nossos, até mais velhos, que estão aprendendo a usar as vendas online”, diz. “É um crescimento exponencial. Mas somos realistas de que é um crescimento perto de uma base que era muito pequena no e-commerce.”
As vendas na Páscoa foram tão acima da média anterior que a Dengo tomou uma decisão “histórica”: precisou imprimir, em vez de escrever à mão como de praxe, os bilhetinhos personalizados que anexava junto aos pedidos feitos online — a mensagem é escolhida pelo comprador. “Foi quase um comitê de gestão de crise”, brinca Sartoreli.
O projeto de venda por streaming ainda é um piloto, que, a princípio, ficará no ar entre um e três meses. A depender da resposta dos clientes, pode continuar depois da reabertura das lojas ou ser expandido para lojas de outras cidades. Sartoreli concorda que os shoppings precisam estar fechados para a segurança de todos, mas que é difícil competir, mesmo no streaming online, com o cheiro de chocolate ao ingressar em uma unidade da Dengo. “Não é 8 ou 80 como algumas pessoas vêm dizendo. O varejo físico ainda seguirá sendo muito importante para os chocolates, é uma experiência pouco substituível”, diz.
Fonte: Exame 08.05.2020

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