Amidos na otimização da funcionalidade: performance tecnológica, sensorial e estabilidade

A visão dos amidos como ingredientes básicos está ficando ultrapassada. No atual cenário da indústria de alimentos e bebidas, estão sendo redescobertos como ingredientes funcionais de alta relevância, com papel estratégico na formulação de produtos que entregam, cada vez mais, performance tecnológica, sensorial e estabilidade.
Por Márcia Fani
Muito se fala em inovação, mas nem sempre ela está no desenvolvimento de novos ingredientes; às vezes, está na forma de reinterpretar o que já se tem em mãos. E, nesse contexto, poucos são tão silenciosamente indispensáveis quanto o amido, um ingrediente ancestral redescoberto à luz de novas exigências industriais e expectativas de consumo.
De snacks extrusados às bebidas funcionais, o amido assume papel estratégico na engenharia de alimentos e bebidas, atuando com discrição, mas com impacto técnico fundamental. É clean label, indulgente com apelo saudável e apresenta alta performance em condições extremas de pH, temperatura e cisalhamento. Além disso, otimiza processos, reduz perdas e responde com precisão a briefings que exigem textura, estabilidade, conveniência e custo competitivo, muitas vezes, tudo ao mesmo tempo.
Os amidos modernos evoluíram em termos de funcionalidade e especificidade por meio de soluções com maior resistência ao congelamento e descongelamento, estabilidade em sistemas ácidos, melhoria no mouthfeel de bebidas proteicas, e até como substitutos de gordura e açúcar, alinhando tecnologia a performance e saudabilidade.
A indústria contemporânea busca mais do que soluções funcionais, exige funcionalidade com propósito, levando a uma nova leitura sobre os amidos: mais técnica, mais precisa e mais estratégica do que nunca.
Ingrediente estratégico
Conciliando inovação técnica, eficiência produtiva e valor de marca, os amidos se apresentam como ativos estratégicos em formulações de alimentos e bebidas.
E os números comprovam essa ascensão. Em 2024, o mercado global de amidos movimentou cerca de US$ 61,5 bilhões, segundo levantamento da Maximize Market Research. Com crescimento anual médio superior a 5,5%, a expectativa é que o setor ultrapasse US$ 95 bilhões até 2032, puxado por uma demanda que combina alimentos ultra convenientes, formulações clean label e alternativas ao processamento tradicional.
O Brasil acompanha esse crescimento. O mercado de amido industrial movimentou US$ 3,4 bilhões em 2024, segundo dados da Grand View Research, e deve ultrapassar os US$ 5,2 bilhões até 2030, com um expressivo CAGR de 7,6% ao ano, o que posiciona o país como principal polo de crescimento na América Latina, não só em volume, mas também em valor técnico de aplicações.
Derivados de amido, como maltodextrina, xarope de glicose e ciclodextrinas, movimentaram US$ 8,6 bilhões no Brasil em 2024 e devem atingir US$ 12,5 bilhões até o final da década. Embora ainda haja forte aplicação em produtos básicos, como molhos, sopas e bebidas adoçadas, há uma clara migração para sistemas alimentares mais complexos, como proteínas vegetais estruturadas, bebidas com polpa suspensa, sobremesas congeladas e produtos infantis com apelo clean label.
Não por acaso, o setor de alimentos e bebidas é, de longe, o principal destino dos amidos no mundo; em 2024, 56% do seu uso industrial foi destinado a esse segmento, com liderança expressiva nas categorias de panificação e confeitaria, que responderam por aproximadamente 30% desse total, segundo dados da Mordor Intelligence. Laticínios, molhos e produtos prontos para consumo, juntos, representaram quase um terço do uso industrial alimentício, de acordo a Market.us.
Os amidos nativos ainda se apresentam relevantes, especialmente em rótulos clean label e produtos minimamente processados, mas o domínio em escala industrial é dos amidos modificados, que representaram 56,3% do mercado global em 2024, de acordo com a Market.us.
Ganhando fôlego à medida que consumidores exigem transparência de rótulo e desempenho sensorial próximo ao natural, a categoria de amidos nativos representa cerca de 41,5% das aplicações em alimentos e bebidas em 2025, com destaque para sistemas que exigem viscosidade ajustável e textura mais próxima do “feito em casa”, segundo a Future Market Insights.
Entre as principais fontes, o amido de milho ocupa posição destacada do mercado global. Em 2024, sua participação ficou entre 61,9% e 72,9%, conforme levantamento da Mordor Intelligence. Versátil, abundante e economicamente competitivo, é considerado o padrão técnico da indústria.
No entanto, outras fontes vem ganhando espaço conforme cresce a demanda por rotulagem diferenciada e soluções regionais. O amido de batata avança com uma CAGR de 5,3% até 2030, impulsionado por sua performance em produtos delicados e em formulações sem glúten. Já o amido de tapioca, com sua textura suave e transparência elevada, vem sendo valorizado como alternativa clean label para bebidas, sobremesas e produtos infantis, especialmente em mercados como Brasil e Sudeste Asiático, de acordo com levantamento da Mordor Intelligence.
Versatilidade funcional
Presente do início ao fim das linhas de produção, o amido é um dos poucos ingredientes com potencial para atuar simultaneamente como suporte técnico, agente de sensorialidade e vetor de eficiência. Mas essa multifuncionalidade não acontece por acaso, é moldada por uma ampla gama de tipos e origens que permitem ao formulador selecionar com precisão o ingrediente certo para cada aplicação.
Hoje, a indústria conta com uma família diversa de amidos: nativos, pré-gelatinizados, modificados química ou enzimaticamente, resistentes, cerosos, com baixo teor de amilose, entre outros; cada um deles com características específicas que atendem a demandas industriais distintas.
Os amidos nativos, por exemplo, são valorizados por sua naturalidade e desempenho básico em espessamento e textura leve, ideais para sopas, molhos e sobremesas. Já os amidos modificados dominam aplicações mais exigentes, como produtos congelados, pratos prontos, panificação industrial e molhos UHT, devido a sua resiliência térmica, estabilidade em pH extremo e resistência ao cisalhamento.
A escolha da fonte botânica também influencia diretamente o comportamento industrial. O amido de milho é versátil e econômico; o de mandioca entrega textura macia e brilho superior; o de batata oferece perfil neutro de sabor e excelente retenção de umidade; e o de arroz, ultrafino e hipoalergênico, apresenta excelente estabilidade.
No ambiente fabril, o amido define viscosidade durante o cozimento, controla o espalhamento no forno, estabiliza sistemas em suspensão, otimiza ciclos de congelamento e descongelamento, e atua como base funcional para encapsulação de aromas e ativos. Na prática, equaliza a produção, garante consistência entre lotes e reduz falhas de processo, ao mesmo tempo em que contribui para o sabor, textura e aparência do produto final.
Para além da sua função estrutural nos alimentos, o amido têm papel decisivo na entrega sensorial que define a aceitação do produto pelo consumidor, ou seja, interfere diretamente em atributos como viscosidade percebida, mouthfeel, untuosidade, opacidade, crocância e, inclusive, na liberação de sabores. Sua atuação é estratégica especialmente em alimentos indulgentes com perfil saudável, como sobremesas com redução de gordura, snacks assados ou leites vegetais com corpo semelhante ao lácteo.
Seu uso inteligente e estratégico demonstra claramente a sua multiplicidade: do ponto de vista técnico, atua como espessante, gelificante ou estabilizante. Mas, para quem consome, isso se traduz em cremosidade, maciez, viscosidade ideal ou crocância, atributos-chave para experiências sensoriais agradáveis.
Mais textura, com mais possibilidades
Mais do que sabor, os alimentos precisam entregar sensações, como textura, cremosidade, viscosidade e mouthfeel, que compõem um conjunto de atributos que definem a experiência sensorial, fator decisivo na aceitação de um produto.

Vinicius Foramiglio, Especialista de Produtos – Nutrição da IMCD Brasil














Comments are closed.