Chemyunion
Visit Us On TwitterVisit Us On FacebookVisit Us On LinkedinVisit Us On Instagram
Food InnovationDestaques Matérias EspeciaisModificação enzimática e suas aplicações: da eficiência industrial à diferenciação estratégica

Modificação enzimática e suas aplicações: da eficiência industrial à diferenciação estratégica

  • Written by:

Capaz de transformar matérias-primas em ingredientes de maior valor agregado, a modificação enzimática vem se consolidando como uma ferramenta estratégica, oferecendo soluções tecnológicas de alto impacto para o desenvolvimento de produtos diferenciados.

Por Márcia Fani

A nova métrica da qualidade sensorial ficou mais exigente. No Brasil e no mundo, sabor continua soberano, mas agora precisa vir embalado em experiências completas, ou seja, integrar textura, contraste, crocância, camadas aromáticas e, de preferência, um rótulo que o consumidor entenda. Segundo o relatório Top Ten Food & Beverage Trends for 2025, da Innova Market Insights, os principais motores de escolha no Brasil continuam sendo sabor, variedade e valor, destacando, ainda, o crescimento da indulgência como fator determinante, inclusive quando o consumidor aceita pagar mais por isso.

Ao mesmo tempo, a saudabilidade pragmática se consolidou. O estudo World Market for Health and Wellness, da Euromonitor, reforça que alimentos e bebidas são vistos cada vez mais como investimentos de longo prazo, com embalagens que evidenciam benefícios funcionais e atributos de sabor. O estudo prevê ainda a escalada de alegações como “livre de ultraprocessados (UPF-free)” e destaca que termos como “sem conservantes”, “all natural” e “plant-based”, têm mais força junto ao consumidor do que o termo genérico clean label.

Já a Mintel, em seu relatório 2025 Global Food and Drink Trends, aponta que o desafio das marcas é harmonizar prazer e saúde, ajudando consumidores a viverem mais e melhor, sem abrir mão do hedonismo. Na prática, isso significa desenvolver produtos que entreguem sabor convincente, rotulagem transparente e conveniência real, sustentados por ingredientes e processos que inspirem confiança.

É exatamente no cruzamento dessas tendências que a modificação enzimática se destaca como um processo que vai além da simples adição de ingredientes, permitindo ajustes na estrutura e desempenho de matérias-primas por rotas biocatalíticas que melhoram textura e frescor em panificação, modulam doçura e corpo em bebidas, reduzem açúcares adicionados e otimizam a processabilidade de amidos.

O resultado são soluções que atendem tanto à eficiência industrial quanto a crescente demanda por texturas mais agradáveis, sabores intensificados e maior digestibilidade, alinhando-se às expectativas dos consumidores contemporâneos.

Esse movimento tecnológico encontra respaldo em um mercado em franca expansão, que promete ainda mais espaço para soluções de modificação enzimática. Segundo o relatório da IMARC Group, o setor movimentou globalmente US$ 3,9 bilhões em 2024 e deve chegar a US$ 6,6 bilhões até 2033, crescendo a uma taxa média de 5,8% ao ano entre 2025 e 2033. Outras consultorias, como a Precedence Research e a Towards F&B, trabalham com faixas próximas, apontando o segmento entre US$ 2,3 e US$ 2,6 bilhões em 2024, com crescimento anual na casa de 6,7% a 7,4% até 2034.

Segundo dados da Mordor Intelligence, as aplicações consolidadas seguem lideradas pela panificação e confeitaria, que representaram entre 28,8% e 30,2% do mercado em 2024. Já os laticínios e sobremesas despontam como o segmento mais dinâmico, impulsionado pela demanda por produtos sem lactose e registrando CAGR de 7,3%. O setor de bebidas também mantém trajetória positiva, especialmente em cervejas, sucos e RTDs, sustentado por enzimas que aumentam rendimento, melhoram clarificação e reduzem o teor de açúcar sem recorrer a adoçantes artificiais.

Na América Latina, essa tendência se reflete de forma clara, com o Brasil despontando como polo estratégico para a aplicação de enzimas modificadas, seja pelo tamanho da sua indústria alimentícia, seja pelo avanço em P&D no setor. A procura por soluções relacionadas à saudabilidade, como bebidas sem lactose, produtos com melhor digestibilidade e snacks com menos gordura saturada, e a eficiência industrial, como pães com maior volume e vida de prateleira estendida, sustenta a expansão regional. Além disso, o uso crescente de enzimas em bebidas alcoólicas e não alcoólicas para intensificar sabor e melhorar a clarificação abre novas frentes de inovação.

Entre as categorias de maior destaque, três grupos se conectam diretamente ao conceito de enzimas modificadas. As lipases, aplicadas em interesterificação de óleos e gorduras, capazes de modificar o perfil lipídico de margarinas, chocolates e lácteos, tornando-os mais estáveis ou saudáveis. Segundo a Mordor Intelligence, o mercado de lipases na América do Sul cresce a uma CAGR de 7,8%.

As proteases, utilizadas para modificar proteínas, melhorando textura, digestibilidade e rendimento em carnes, laticínios e bebidas vegetais. A América Latina registra CAGR de 9,4% nesse segmento, considerado um dos mais promissores da região (Mordor Intelligence).

E, as enzimas especiais, categoria que inclui variantes geneticamente otimizadas ou desenvolvidas para funções específicas, como maior estabilidade térmica, redução de alérgenos ou reações de alto valor agregado. No Brasil, esse mercado foi avaliado em US$ 137,3 milhões em 2024, com previsão de atingir US$ 197,1 milhões até 2030, a uma CAGR de 6,2%, segundo dados da Research and Markets.

Essas perspectivas reforçam o alinhamento entre mercado, inovação e modificação enzimática, com soluções capazes de unir eficiência industrial, desempenho funcional e experiências sensoriais superiores, atendendo a consumidores que demandam produtos mais saudáveis, funcionais e transparentes, sem abrir mão do prazer em cada mordida ou gole.

Redesenhando a formulação de alimentos

As enzimas desempenham papel central na indústria de alimentos e bebidas por sua capacidade de catalisar reações específicas sob condições controladas e com alto grau de seletividade. A otimização desse “ingrediente” levou ao desenvolvimento da modificação enzimática, hoje uma das ferramentas mais relevantes na formulação de alimentos e bebidas, capaz de transformar proteínas, carboidratos e lipídios de maneira precisa em compostos que otimizam processos e agregam propriedades funcionais e sensoriais aos produtos.

Em essência, a modificação enzimática consiste no uso controlado de enzimas para promover transformações estruturais em moléculas alimentícias, resultando em mudanças físicas (como viscosidade ou solubilidade), químicas (formação de novos compostos) ou nutricionais (geração de peptídeos bioativos).

Diferente de métodos químicos ou físicos, as enzimas reconhecem substratos específicos e realizam transformações direcionadas, minimizando subprodutos e preservando a qualidade nutricional, o que possibilita desde ajustes sutis de textura até a melhoria de atributos sensoriais e nutricionais, atendendo à crescente demanda por alimentos e bebidas de maior valor agregado.

Embora a aplicação varie conforme o tipo de alimento e o resultado esperado, a modificação enzimática pode ser entendida como uma sequência de etapas interligadas, onde cada fase exige decisões técnicas que determinam a eficiência e a qualidade do produto final.

A seleção da enzima é o ponto de partida e define os limites do processo. Amilases, proteases, lipases, pectinases, xilanases e transglutaminases são alguns exemplos aplicados em alimentos. Entretanto, dentro de cada grupo, existem variantes com funções específicas; uma amilase, por exemplo, pode atuar quebrando ligações internas do amido (endoamilase) ou removendo unidades de glicose na extremidade da cadeia (exoamilase). Essa diversidade permite selecionar a enzima mais adequada para o objetivo desejado, seja reduzir viscosidade, liberar açúcares fermentáveis, modificar textura ou ajustar sabor. A origem da enzima (microbiana, vegetal ou animal) também influencia atividade, estabilidade e aceitação regulatória. Na prática, a decisão envolve equilibrar eficiência técnica, custo de produção e conformidade legal.

O próximo passo é a definição do substrato, pois cada matriz alimentar apresenta características que impactam a ação enzimática. Composição química, proporção de amido, proteínas e lipídios, presença de fibras, umidade e granulometria, determinam a acessibilidade do substrato. Proteínas de difícil solubilização podem requerer pré-tratamentos físicos, enquanto frutas ricas em pectina demandam a escolha da pectinase adequada à ligação predominante (metilada ou desmetilada). Essa análise prévia é essencial para que a modificação enzimática seja previsível e reprodutível em escala industrial.

Parâmetros ambientais, como temperatura, pH, tempo de reação e concentração enzimática, devem ser ajustados para maximizar a atividade catalítica sem comprometer a estabilidade. Cada enzima possui faixa ótima de temperatura, geralmente entre 30°C e 70°C, e pequenas variações de pH podem reduzir drasticamente sua atividade. O equilíbrio da concentração enzimática é crítico: excesso de enzima pode ser economicamente inviável, enquanto quantidades insuficientes resultam em reações incompletas. A cinética precisa ser monitorada para evitar produtos secundários indesejados.

A catálise enzimática propriamente dita ocorre quando a enzima se liga ao substrato, formando o complexo enzima-substrato e reduzindo a energia de ativação necessária à transformação. O mecanismo varia de acordo com o tipo de enzima: hidrólise de ligações (amilases e proteases), transferência de grupos funcionais (transglutaminases) ou reações de esterificação e interesterificação (lipases). Em todos os casos, a reação é seletiva, gerando produtos bem definidos.

Ao atingir o objetivo, a reação deve ser interrompida para evitar degradação excessiva do produto, o que pode ser feito por inativação térmica, alteração do pH ou remoção da enzima (quando imobilizada); a escolha depende da matriz e da aplicação subsequente.

O resultado final de todo esse processo é uma matéria-prima transformada, que pode ser utilizada diretamente na formulação ou submetida a etapas adicionais de purificação e concentração.

Além de ajustar atributos tecnológicos, a modificação enzimática abre caminho para novas funcionalidades, como geração de compostos bioativos e formação de aromas naturais. Mais recentemente, avanços em engenharia de proteínas, imobilização enzimática e produção de enzimas recombinantes ampliaram ainda mais essas possibilidades, aumentando eficiência e valor funcional.

Agregando valor em diferentes categorias

A aplicação da modificação enzimática na indústria de alimentos e bebidas vai além de ganhos pontuais de desempenho. Mais do que eficiência, o uso direcionado de enzimas permite manipular macromoléculas de forma controlada, traduzindo-se em produtos com qualidade sensorial aprimorada, estabilidade estendida e experiências de consumo superiores. Cada categoria apresenta desafios e oportunidades singulares, e as soluções enzimáticas vêm sendo desenhadas sob medida para atender tanto a requisitos técnicos quanto às expectativas de sabor, textura e prazer alimentar.

Em laticínios, a hidrólise enzimática da lactose, já consolidada como inclusão nutricional, evoluiu para gerar galactooligossacarídeos (GOS), fibras funcionais que, além de benefícios digestivos, conferem leve doçura e melhor mouthfeel. Proteases específicas liberam peptídeos bioativos que não só agregam propriedades funcionais, como também contribuem para sabores mais suaves e notas lácteas equilibradas. Em queijos maturados, lipases selecionadas tornam possível criar assinaturas aromáticas sofisticadas, valorizando queijos premium e de terroir. Já em leites vegetais, enzimas vêm sendo aplicadas para reduzir notas amargas de soja e ervilha, resultando em bebidas com perfil mais cremoso, redondo e agradável ao paladar.

Na panificação, tradicionalmente associada ao uso de amilases, o portfólio enzimático hoje é muito mais versátil. Xilanases de nova geração melhoram a extensibilidade da massa, mesmo em farinhas com menor teor de glúten, viabilizando pães leves à base de cereais alternativos como teff ou sorgo, sem comprometer maciez e volume. As transglutaminases reforçam a rede proteica em massas sem glúten, entregando textura elástica e mordida mais próxima da versão tradicional, enquanto enzimas antioxidativas ajudam a controlar reações indesejadas de escurecimento e off-flavors. Outro avanço é o uso de enzimas que reduzem açúcares redutores, mitigando a formação de acrilamida sem perder o dourado e o aroma característico de pão fresco.

Na indústria de carnes e análogos, as proteases seguem desempenhando papel clássico no amaciamento; a novidade está na sua associação com transglutaminases para criar estruturas fibrosas realistas em matrizes híbridas. Em proteínas vegetais, as enzimas reduzem sabores residuais indesejados e ajudam a recriar a mastigabilidade típica da carne, enquanto lipases modulam o perfil de gordura para simular o “derretimento” da gordura animal no preparo, um atributo sensorial-chave para conquistar o consumidor flexitariano.

No campo das bebidas, a inovação sensorial é ainda mais evidente. Na cervejaria, β-glucanases e glucoamilases não apenas otimizam a fermentação, mas também permitem a criação de perfis mais leves, refrescantes e com perfil sensorial leve e de fácil consumo, alinhados à tendência de cervejas low carb. Em sucos e néctares, o refino no uso de pectinases e celulases aumenta a liberação de polifenóis e outros compostos bioativos, enriquecendo o corpo, a cor e a complexidade aromática. Nas bebidas vegetais, a quebra de polissacarídeos insolúveis reduz arenosidade e intensifica a percepção de cremosidade e suavidade na boca. Pesquisas recentes vem explorando a geração enzimática de açúcares raros, como a tagatose, que abre caminho para bebidas naturalmente doces, mas de perfil glicêmico reduzido, equilibrando saúde e prazer.

Em óleos e gorduras, a interesterificação enzimática substitui a hidrogenação, resultando em margarinas livres de gorduras trans, mas com textura e untuosidade superiores. No chocolate, o ajuste enzimático do perfil lipídico permite manter cremosidade e brilho mesmo sob condições de calor, preservando o snap característico. Em paralelo, há aplicações de lipases para criar óleos estruturados destinados à nutrição infantil, simulando a digestibilidade do leite materno e melhorando a absorção de cálcio e ácidos graxos essenciais.

Na confeitaria e chocolates, as invertases seguem essenciais para controlar a cristalização da sacarose, garantindo recheios aveludados ao longo da vida útil. Enzimas oxidativas já são aplicadas para modular coloração e estabilidade, substituindo aditivos artificiais sem comprometer a atratividade visual. Lipases, por sua vez, ajudam a manter a cremosidade do chocolate mesmo em mercados tropicais, um diferencial sensorial que assegura consistência e prazer em cada pedaço.

Um dos avanços mais recentes está na geração de ingredientes bioativos e funcionais. Proteases liberam peptídeos com potenciais efeitos anti-hipertensivos, antioxidantes e de saciedade, ao mesmo tempo em que conferem notas de sabor umami mais equilibradas. Em carboidratos, enzimas permitem a produção de frutooligossacarídeos (FOS) e GOS de efeito prebiótico, que além da funcionalidade agregam leve dulçor natural a barras e bebidas. Estudos recentes também apontam para a conversão enzimática de açúcares comuns em D-alulose, um adoçante natural de baixas calorias que pode transformar a experiência sensorial em produtos sem açúcar, evitando o retrogosto típico de adoçantes artificiais.

Exemplos práticos já no mercado

A modificação enzimática já faz parte do dia a dia da indústria de alimentos e bebidas, e também da rotina dos consumidores. Um exemplo clássico é a fabricação de queijos com a quimosina recombinante, também conhecida como FPC (Fermentation-Produced Chymosin). Produzida por microrganismos, substitui o tradicional coalho animal e hoje representa entre 60% e 90% da produção global de queijos.

Ainda no universo dos lácteos, os queijos com sabor concentrado, conhecidos como queijo modificado por enzimas (enzyme-modified cheese – EMC), também são fruto da modificação enzimática. Proteases, lipases e esterases atuam no leite e no queijo, liberando compostos de sabor de forma acelerada, o que resulta em ingredientes com potência aromática até 30 vezes maior que a de um queijo natural.

No setor de bebidas, as enzimas também se destacam. A pectinase é aplicada em sucos e vinhos para aumentar o rendimento de extração, remover a turbidez e melhorar a filtrabilidade. Além de clarear, garante um produto mais estável e visualmente atrativo. Já na produção de cervejas, enzimas como α-amilase e β-amilase convertem o amido dos cereais em açúcares fermentáveis, o que impacta diretamente no sabor, teor alcoólico e eficiência do processo. Outras enzimas, como as beta-glucanases, ajudam a melhorar a clarificação da bebida.

Outra aplicação de destaque é em produtos lácteos sem lactose, que dependem da ação da enzima lactase (β-galactosidase) para quebrar a lactose em glicose e galactose, tornando leite, iogurtes e sorvetes acessíveis para consumidores intolerantes. Além da digestibilidade, ainda contribui com doçura natural e melhor textura em alguns derivados.

Um exemplo prático em lácteos sem lactose vem da Piracanjuba, cujos produtos Zero Lactose possuem a enzima lactase em sua fórmula, evidenciando o uso direto da modificação enzimática nos laticínios destinados a consumidores intolerantes à lactose. No Leite Integral Zero Lactose 1 L, seu rótulo cita explicitamente entre os ingredientes a enzima lactase.

Outro exemplo nessa área é o creme de Leite LACFREE 500g e o Iogurte LACFREE Tradicional 500g, da empresa Verde Campo, onde a enzima lactase está listada no rótulo de ambos  como um dos ingredientes que compõe esses produtos.

Outros exemplos da presença cotidiana de enzimas modificadas, estão em produtos panificados, com a integração de misturas que combinam amilases, xilanases, lipases e oxidases, utilizadas para melhorar a elasticidade da massa, aumentar o volume do pão e prolongar o frescor, resultando em um produto mais macio, leve e com maior shelf; carnes processadas, onde a aplicação de transglutaminase melhora a textura e liga de frios, embutidos e produtos reestruturados; leites infantis, que incluem nucleotídeos obtidos por modificação enzimática para enriquecer fórmulas para bebês, contribuindo para o desenvolvimento imunológico; Chocolates e confeitos, que utilizam lipases para modificar o perfil de gorduras, otimizando a textura e o ponto de fusão, além de melhorar a sensação na boca (mouthfeel); produtos plant-based, onde proteases ajudam a reduzir notas amargas ou adstringentes em proteínas vegetais, melhorando sabor e digestibilidade; e snacks e cereais matinais, que usam amilases e glucoamilases para ajustar crocância, cor e perfil de açúcares, influenciando sabor e textura final.

De pães e laticínios a bebidas, carnes, confeitaria e snacks, as enzimas estão presentes em diversas categorias, auxiliando na melhoria de sabor, textura e frescor para tornar os produtos mais atrativos, acessíveis e funcionais. Os exemplos práticos citados  são apenas uma amostra de como a biotecnologia enzimática já está integrada ao que saboreamos diariamente.

Avançando em novas fronteiras

A modificação enzimática continua evoluindo de forma significativa, impulsionada por avanços em biotecnologia, bioinformática e engenharia de proteínas. Hoje, seu papel vai além da otimização de processos já existentes, tornando-se uma plataforma de inovação capaz de criar novas oportunidades de diferenciação e valor agregado para alimentos e bebidas.

Pesquisas recentes tem explorado enzimas capazes de operar em temperaturas extremas, diferentes níveis de pH ou sob a presença de solventes e ingredientes complexos. Essa versatilidade amplia a gama de aplicações, reduz perdas no processamento e aumenta a eficiência das reações. Um exemplo são as proteases adaptadas, empregadas para gerar peptídeos bioativos em proteínas vegetais, enquanto lipases resistentes ao calor são aplicadas em chocolates e margarinas para reestruturar gorduras sem comprometer a textura.

A combinação da modificação enzimática com processos como micro-ondas, ultrassom, fermentação controlada e extrusão, vem acelerando transformações e reduzindo o tempo de processamento. Em bebidas, pectinases associadas ao ultrassom potencializam a extração de compostos bioativos, enquanto na panificação, amilases em sinergia com a fermentação enzimática elevam a textura e o valor nutricional de massas sem glúten.

Além de otimizar processos, as enzimas ajudam a gerar ingredientes com benefícios à saúde, como fibras solúveis, açúcares raros e peptídeos bioativos. Essa tendência reflete a busca por alimentos que combinem prazer sensorial, valor nutricional e funcionalidade, sem recorrer a aditivos artificiais.

No universo das proteínas vegetais, híbridas e alternativas à carne e laticínios, as enzimas são estratégicas para melhorar textura, sabor e digestibilidade. Transglutaminases e proteases, quando associadas a tecnologias emergentes, possibilitam criar estruturas complexas que simulam atributos sensoriais de produtos animais, ao mesmo tempo em que liberam compostos bioativos de alto valor nutricional.

Entre as novas frentes, a liberação controlada de compostos bioativos vem ganhando espaço. Enzimas específicas podem liberar polifenóis, flavonoides e antioxidantes de forma gradual e direcionada, mantendo a estabilidade desses compostos e aumentando sua biodisponibilidade em bebidas funcionais e produtos enriquecidos. Isso garante tanto preservação de nutrientes quanto ajustes sensoriais finos, sem aditivos químicos.

A produção enzimática de novos adoçantes naturais é outro campo em expansão. Por meio de reações controladas, carboidratos comuns se transformam em açúcares como trealose e alulose, de baixo índice glicêmico e menor aporte calórico. Embora sua viabilidade industrial ainda esteja em consolidação, já abrem espaço para produtos mais saudáveis e alinhados às expectativas de consumidores.

A biocatálise para encapsulação de aromas é outra inovação que vem ganhando escala. Enzimas podem estabilizar compostos voláteis, protegendo aromas naturais de perdas durante processamento e armazenamento. A técnica oferece novas possibilidades de diferenciação sensorial em bebidas, molhos e snacks,  permitindo uma diferenciação sofisticada.

Por fim, o desenvolvimento de enzimas customizadas via inteligência artificial está transformando a forma como novos biocatalisadores são projetados e aplicados. Modelos computacionais e algoritmos de triagem aceleram a identificação de variantes enzimáticas mais eficazes para reações específicas, reduzindo o tempo de desenvolvimento e aumentando a precisão da aplicação industrial. Essa convergência entre IA e biotecnologia enzimática amplia a previsibilidade de resultados e viabiliza produtos que antes seriam inviáveis ou economicamente pouco atrativos.

Esses avanços ilustram como a modificação enzimática está evoluindo de uma ferramenta tradicional de processamento para uma plataforma de inovação capaz de gerar novas funcionalidades, sabores e perfis nutricionais em alimentos e bebidas, antecipando demandas emergentes e criando oportunidades estratégicas para inovação, com otimização de processos e valor agregado.

Comments are closed.

Rodapé 2