Savory flavors: adicionando complexidade aos perfis de sabor

No universo dos ingredientes, poucas categorias refletem de forma tão clara a evolução do paladar e da tecnologia alimentar quanto os savory flavors.
Por Márcia Fani
Historicamente utilizados de forma quase funcional, tendo como principal atribuição reforçar notas salgadas e compensar perdas sensoriais em processos industriais, os savory flavors ampliaram de forma significativa a sua atuação, acompanhando as mudanças nos perfis de consumo, impulsionadas por fatores em diferentes níveis: saudabilidade, conveniência e busca por experiências diferenciadas; necessidade de reduzir sal, gordura e aditivos artificiais, sem abrir mão da intensidade de sabor; e expansão do mercado de refeições prontas e snacks, que exige soluções que ofereçam praticidade, mas com sofisticação, aproximando produtos industrializados da experiência da culinária caseira ou artesanal.
Esse movimento também se conecta ao dinamismo do mercado; segundo estimativas recentes, o segmento global de savory flavors movimenta bilhões de dólares e deve seguir em expansão, impulsionado pela valorização de naturalidade e clean label. Ao mesmo tempo, a busca por experiências gastronômicas diferenciadas vem estimulando o desenvolvimento de novas tecnologias, como fermentação de precisão, biotecnologia enzimática e técnicas avançadas de encapsulação, que permitem explorar e preservar camadas aromáticas de forma mais sofisticada.
Nesse novo paradigma, os savory flavors não se limitam a função de intensificação, mas são considerados elementos estruturantes de formulações modernas, capazes de construir perfis sensoriais complexos, equilibrar reduções de sódio, gordura ou açúcar, construir perfis defumados, fermentados ou caramelizados em escala industrial, e surpreender em categorias antes pouco exploradas.
Essa evolução se deve à complexidade dos savory flavors, a qual reside em sua diversidade, manifestada em diferentes dimensões sensoriais, e que podem ser decompostas em “camadas” que refletem processos químicos e bioquímicos específicos. Cada uma dessas dimensões carrega compostos-chave que definem o seu perfil e revelam aplicações estratégicas em categorias distintas de alimentos e bebidas, além de impactos sensoriais determinantes para a experiência de consumo.
As notas defumadas, por exemplo, são ancoradas em fenóis, aldeídos e ácidos orgânicos, derivados da pirólise de madeira e gorduras. Em alimentos, conferem a sensação de rusticidade e autenticidade, muito valorizadas em snacks, sopas instantâneas, caldos concentrados e molhos barbecue, e que já começam a aparecer em lançamentos de bebidas premium, por meio de coquetéis prontos e cervejas artesanais, onde adicionam profundidade e camadas aromáticas. O principal impacto sensorial, tanto em alimentos quanto em bebidas, é a percepção de intensidade, prolongando o sabor no paladar.
Já as notas tostadas e caramelizadas surgem das reações de Maillard e caramelização, ricas em pirazinas, furanonas e aldeídos, e fundamentais para dar corpo e complexidade a snacks assados, produtos cárneos e alternativas plant-based, recriando a experiência do dourado e grelhado. Em produtos líquidos, como caldos prontos ou até RTDs proteicas salgadas, ampliam a sensação de calor e robustez, acrescentando, sensorialmente, densidade e uma camada que transmite sofisticação gastronômica.
As notas fermentadas, associadas a ácidos, álcoois e peptídeos liberados por microrganismos, têm presença marcante em produtos tradicionais como molhos de soja e queijos maturados. Hoje, são replicadas em alternativas plant-based para disfarçar notas “verdes” ou de leguminosas, e em snacks proteicos para transmitir autenticidade e naturalidade. Em bebidas funcionais adicionam nuances complexas e sensação de maturação, com forte contribuição ao umami. O impacto sensorial é de equilíbrio, suavizando amargores e ampliando a percepção de sabor persistente.
As notas vegetais e herbais, sustentadas por aldeídos, terpenos e metoxipirazinas, fornecem frescor e naturalidade, sendo amplamente usadas em sopas, caldos e molhos prontos, mas também em snacks saudáveis e bebidas vegetais, onde comunicam vitalidade e frescor. Em bebidas RTD, o perfil herbal dialoga com a busca por naturalidade e bem-estar. O impacto sensorial é de leveza e autenticidade, conectando a experiência com ingredientes frescos e minimamente processados.
Os perfis cárneos, compostos por ácidos graxos oxidados, pirazinas e produtos da reação de Maillard, continuam sendo fundamentais para categorias tradicionais, como sopas desidratadas, caldos e snacks, com apelo de churrasco. No entanto, seu maior campo de inovação está nos substitutos plant-based e híbridos, nos quais recriam a experiência de carnes bovina, suína, de frango ou frutos do mar. Em bebidas funcionais, começam a surgir aplicações pontuais em mercados de nicho, adicionando robustez proteica. O impacto sensorial é a autenticidade, determinante para a aceitação em produtos que buscam mimetizar a carne.
Os sabores lácteos, dominados por lactonas, diacetil e ácidos graxos de cadeia curta, oferecem indulgência e cremosidade. Aplicados em molhos cremosos, sopas instantâneas, snacks com perfil de queijo e até em bebidas proteicas salgadas, equilibram notas amargas ou vegetais; atuam, ainda, como moduladores de corpo em formulações com baixo teor de gordura. Seu impacto sensorial se traduz em maciez no paladar, transmitindo conforto e riqueza sensorial.

Essa diversidade de dimensões sensoriais não atua de forma isolada; em muitas formulações, os savory flavors funcionam em camadas, somando defumado, tostado, vegetal e umami em diferentes intensidades. É justamente essa capacidade de compor paletas complexas que os tornam um recurso central para desenvolver alimentos e bebidas mais autênticos, envolventes e alinhados às expectativas contemporâneas de consumo.
Mercado em movimento
A paleta sensorial criada pelos savory flavors movimenta um mercado global avaliado em cerca de US$ 8,8 bilhões em 2024, com projeções de chegar a US$ 12,9 bilhões até 2032, crescendo a uma taxa anual composta (CAGR) de 5,6% entre 2025 e 2032, segundo dados da Persistence Market Research. Alimentos e bebidas concentram mais de 80% da aplicação desses ingredientes, em categorias que incluem snacks, caldos, sopas, molhos e refeições prontas. Essa expansão está diretamente relacionada à busca por naturalidade, clean label e experiências sensoriais autênticas, que têm impulsionado o uso de tecnologias capazes de reproduzir sabores complexos e equilibrar perfis gustativos, reduzindo sódio, gordura e aditivos artificiais.

Entre os protagonistas desse mercado, os extratos de levedura se destacam como líderes, respondendo por cerca de 34,5% do consumo global em 2024 (Mordor Intelligence). Além de serem valorizados por seu sabor intenso e propriedades de realce, vêm sendo amplamente aplicados em formulações que exigem profundidade sensorial e percepção de naturalidade, permitindo transformar produtos comuns em experiências gastronômicas mais complexas.
Os nucleotídeos também ganham relevância, projetando crescimento de 7,23% entre 2025 e 2030 (Mordor Intelligence), enquanto os hidrolisados de proteínas, extratos vegetais e fermentados controlados complementam o portfólio, oferecendo soluções naturais para realçar sabor e textura, especialmente em alimentos processados e convenientes. A combinação de hidrolisados e nucleotídeos tem se mostrado particularmente eficaz em produtos com baixo teor de sódio, garantindo intensidade e persistência de sabor, e fortalecendo a tendência de reformulações mais saudáveis sem perda sensorial.
Já os moduladores de sabor, que desempenham papel estratégico na intensificação e equilíbrio dos perfis gustativos, respondem por 47,18% do mercado, impulsionados pela busca por alternativas ao açúcar e soluções clean label (Mordor Intelligence). As bebidas concentram cerca de 44% da sua aplicação global, direcionadas especialmente à reformulação de refrigerantes e sucos sem açúcar, além do avanço de categorias funcionais, energéticas e proteicas (Globe News Wire). Esses ingredientes têm permitido criar bebidas salgadas equilibradas e funcionais, expandindo fronteiras sensoriais e redefinindo a percepção do que é indulgência saudável.
No Brasil, a tendência é igualmente promissora, com um mercado estimado em US$ 1,17 bilhão em 2024, e projetado para alcançar US$ 2,08 bilhões até 2033, apresentando uma CAGR de 6,7% de 2025 a 2033, conforme relatório da Grand View Research. Sessenta e cinco por cento da receita está concentrada em alimentos, enquanto bebidas mostram crescimento acelerado, indicando expansão futura em águas aromatizadas, bebidas funcionais e RTDs.
A demanda crescente por produtos com sabor natural, textura aprimorada e perfis mais sofisticados tem impulsionado a utilização de extratos de levedura, nucleotídeos e hidrolisados de proteínas na indústria brasileira, reforçando o papel desses ingredientes na inovação e no desenvolvimento de produtos com rótulos limpos e foco em bem-estar.

Esse panorama reflete a expansão de produtos que combinam intensidade sensorial e naturalidade, com impacto direto na percepção de valor pelo consumidor, destacando a relevância estratégica dos savory flavors, tanto em mercados maduros quanto emergentes, e posicionando-os como ferramentas centrais na evolução sensorial de alimentos e bebidas contemporâneos.
Ingredientes que constroem perfis sensoriais
Os savory flavors não se referem apenas a moléculas isoladas ou notas aromáticas, mas abrangem uma ampla gama de ingredientes que atuam como construtores e amplificadores desses perfis, permitindo traduzir conceitos sensoriais em produtos reais, que viabilizam a criação de experiências complexas e estáveis ao longo da vida de prateleira.
Entre esses ingredientes, o extrato de levedura, produzido a partir da autólise ou hidrólise controlada de células de levedura, é considerado o mais icônico. Naturalmente rico em aminoácidos livres, peptídeos e nucleotídeos, atua em sinergia com o glutamato para intensificar o sabor umami. Além de realçar sabores existentes, suaviza notas amargas e adstringentes, destacando-se em sopas, caldos, snacks, produtos plant-based e refeições prontas. Sua maior vantagem está na percepção de naturalidade, alinhada à tendência clean label, já que pode ser declarado como ingrediente natural. Atualmente, avanços tecnológicos permitem a padronização de perfis específicos de extrato de levedura (mais umami, mais doce, mais tostado), o que aumenta a precisão em formulações, inclusive em categorias como RTDs proteicas salgadas.
Os hidrolisados de proteína vegetal ou animal constituem outra importante ferramenta. Obtidos por hidrólise enzimática ou ácida de proteínas vegetais (soja, trigo, ervilha) ou animais (frango, carne bovina, peixe), liberam peptídeos e aminoácidos que conferem profundidade e notas complexas, variando de tostadas, cárneas ou lácteas, dependendo da fonte utilizada. O processo enzimático permite um controle mais refinado do perfil sensorial, reduzindo riscos de notas amargas excessivas que podem surgir em hidrólises não controladas. Os hidrolisados de origem animal ainda dominam aplicações tradicionais, mas os de origem vegetal ganham destaque na formulação de produtos plant-based e snacks proteicos. Um ponto técnico importante é a solubilidade elevada, o que os torna adequados também para bebidas funcionais salgadas. Além de modularem o sabor, contribuem para a percepção de corpo e persistência, atributos desejados em snacks, produtos cárneos e alternativas plant-based. Avanços recentes em engenharia enzimática vêm permitindo produzir hidrolisados com menor teor de off-flavors, maior padronização e aplicações mais versáteis, sobretudo em substitutos de carne.
Já os nucleotídeos isolados, como inosina monofosfato (IMP) e guanosina monofosfato (GMP), embora naturalmente presentes em extrato de levedura, também podem ser adicionados de forma concentrada e controlada. Seu papel é potencializar o impacto do glutamato, ampliando de forma exponencial a percepção de umami e a persistência do sabor. Essa sinergia é particularmente útil em formulações de baixo teor de sódio, pois permite redução de sal sem perda de intensidade sensorial. No entanto, por serem ingredientes de custo mais elevado, seu uso tende a ser direcionado a produtos premium ou a formulações onde o impacto no sabor é crítico, como plant-based cárneos e caldos concentrados. Em mercados avançados, os nucleotídeos vêm sendo aplicados também como reforço em snacks proteicos e em sopas instantâneas de alta qualidade, contribuindo para um perfil mais “caseiro”.
Os extratos vegetais concentrados, provenientes de cebola, alho, tomate e ervas, também desempenham papel relevante no universo dos savory flavors. Quimicamente, são ricos em compostos como aldeídos (responsáveis pelo frescor), terpenos (notas herbais) e compostos sulfurados (intensidade aromática característica de alho e cebola), que fornecem autenticidade, frescor e criam associações sensoriais imediatas com a culinária caseira e artesanal, favorecendo a conexão emocional do consumidor com o produto. Além da contribuição direta ao perfil sensorial, funcionam como bloqueadores de notas indesejadas, mascarando características metálicas ou “verdes” de proteínas vegetais. Sua aplicação é ampla, desde sopas, molhos e snacks, até bebidas vegetais funcionais, onde podem realçar a percepção de naturalidade. Recentemente, a tecnologia de concentração por extração suave e controle térmico vem garantindo maior preservação de compostos voláteis, intensificando frescor e autenticidade.
As notas aromáticas obtidas por fermentação controlada representam um campo de inovação em expansão no universo dos savory flavors. A utilização de microrganismos selecionados gera matrizes complexas de ácidos, álcoois e peptídeos de sabor, ricas em metabólitos capazes de reproduzir nuances de molhos tradicionais, queijos maturados ou até perfis cárneos. Além da riqueza aromática, agregam apelo de naturalidade e clean label, especialmente quando associados à tendência de “fermentados saudáveis”. Em termos técnicos, a fermentação permite criar sabores de forma mais sustentável e consistente, reduzindo a dependência de matérias-primas sazonais ou de alto custo. Um aspecto atual é a aplicação de fermentação de precisão, que possibilita desenhar moléculas específicas para simular sabores complexos com maior padronização e estabilidade.
Embora menos conhecidos fora do círculo técnico, os moduladores de sabor desempenham papel central no ajuste fino das formulações. São compostos capazes de reduzir notas amargas, intensificar umami, reforçar corpo e prolongar liberação aromática. Frequentemente usados em conjunto com extratos e hidrolisados, são estratégicos em categorias mais desafiadoras, como bebidas salgadas, snacks extrusados e produtos com restrição de sódio ou gordura. Tecnologicamente, podem ser aplicados em sistemas encapsulados, garantindo liberação controlada e estabilidade durante o processamento. O desenvolvimento de moduladores naturais, derivados de frutas e vegetais, também vem crescendo em resposta às demandas clean label.
Os encapsulados de compostos aromáticos também se incluem nos ingredientes que dão vida aos savory flavors, protegendo moléculas voláteis e instáveis, e garantindo que o impacto sensorial seja preservado até o momento do consumo. Essa abordagem é particularmente relevante para notas defumadas, herbais ou tostadas, que tendem a se dissipar ou se degradar durante processos térmicos. Além de proteger, a encapsulação possibilita a liberação gradual do sabor, prolongando a experiência no paladar. Suas aplicações típicas incluem sopas instantâneas, snacks extrusados e bebidas em pó. Avanços recentes em encapsulação por spray-drying de última geração, lipossomas e matrizes poliméricas naturais ampliaram a estabilidade, oferecendo novas possibilidades de aplicação em produtos líquidos e funcionais.

A diversidade de ingredientes disponíveis mostra que os savory flavors não se restringem somente a notas sensoriais, mas são aplicados como ferramentas tecnológicas que viabilizam o desenvolvimento de produtos sensorialmente diferenciados.
Alinhando sabor, tecnologia e nutrição
A busca por sabores mais ricos, equilibrados e naturais tem se intensificado na indústria alimentícia, impulsionada por consumidores cada vez mais atentos à qualidade e à procedência dos produtos que consomem.
A Biorigin, referência em soluções biotecnológicas para alimentos, coloca no centro dessa transformação a sua Linha Bionis de Extratos de Levedura, desenvolvida para atender às demandas por ingredientes naturais, versáteis e alinhados às tendências de saudabilidade.

Lara Carvalho Gazolla de Rezende, Especialista de Produtos Food na Biorigin










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