Corantes em produtos lácteos: como inovar e atender às novas demandas do mercado

Mais do que apelo visual, os corantes impulsionam inovação, reforçam atributos sensoriais e agregam valor.
Por Márcia Fani
A cor sempre desempenhou papel fundamental no setor de alimentos, mas nunca foi tão determinante como no contexto atual. Nos produtos lácteos, especificamente, a aparência visual se consolidou como um elemento-chave na experiência de consumo, extrapolando sua função estética para se tornar uma poderosa ferramenta de comunicação com o consumidor.
Estudos de neuromarketing e comportamento de consumo indicam que até 90% das decisões de compra são influenciadas pela aparência do produto. Em lácteos, a cor funciona como um importante código visual, sinalizando frescor, sabor, indulgência ou naturalidade.
Tons vibrantes e uniformes em iogurtes com frutas, por exemplo, são percebidos como indicativos de qualidade superior, enquanto nuances mais suaves podem sugerir leveza ou formulações clean label. Já a adição de corantes amarelos ou laranjas em queijos processados tem como propósito homogeneizar o tom característico, enquanto corantes vermelhos ou roxos são fundamentais para reforçar a percepção de frutas em iogurtes ou sobremesas. Em categorias indulgentes, como sorvetes e sobremesas lácteas, cores vibrantes agregam valor emocional e impulsionam a decisão de compra.
Um estudo recente da Innova Market Insights aponta que 58% dos consumidores globais consideram a aparência do alimento tão importante quanto o sabor, especialmente em categorias como sobremesas lácteas e bebidas fermentadas. Em sintonia com esse estudo, dados da Mintel mostram que cerca de 65% dos consumidores afirmam que associam cores vibrantes e naturais à percepção de um produto mais saudável e de melhor qualidade.
Nesse contexto, a pergunta é: Como inovar na aplicação de corantes para atender às novas demandas do mercado, sem comprometer a estabilidade, segurança e eficiência produtiva? A resposta está em compreender as transformações no perfil de consumo, explorar novas tecnologias e se adaptar a uma matriz de desafios técnicos e mercadológicos cada vez mais complexa.
Transformação em movimento
As transformações na função e na percepção dos corantes impacta diretamente o comportamento do mercado, impulsionando a demanda por soluções que conciliem apelo visual, segurança e naturalidade.
Segundo dados da The Business Research Company, o mercado global de corantes alimentícios, avaliado em aproximadamente US$ 4,63 bilhões em 2024, dedica uma parcela relevante ao setor de produtos lácteos, respondendo por cerca de 15% a 20% do consumo total de corantes. Essa fatia representa um segmento estratégico, devido a diversidade e volume de produtos lácteos que dependem do apelo visual para se destacar, como queijos, iogurtes, sobremesas lácteas, leites aromatizados e bebidas fermentadas.
Dados da Mordor Intelligence indicam que entre os tipos de corantes usados em lácteos, cerca de 60% são naturais, refletindo a forte demanda por clean label e percepção de saúde, enquanto os 40% restantes são sintéticos, ainda presentes principalmente em produtos de maior volume e menor custo.
A aplicação dos corantes no setor lácteo é diversificada, distribuída principalmente entre queijos (45% a 50%), iogurtes e bebidas lácteas fermentadas (25% a 30%), sobremesas lácteas e cremes (15% a 20%) e leites aromatizados e produtos especiais (5% a 10%).
Os queijos são a principal categoria que utiliza corantes para padronização da cor e diferenciação visual, especialmente em queijos amarelos ou laranjas, como Cheddar, Prato e tipo Colonial. O corante mais usado historicamente é o betacaroteno, tanto em versões sintéticas quanto naturais, para garantir coloração uniforme e atraente.
Em iogurtes e bebidas lácteas fermentadas, os corantes são usados para reforçar a percepção de sabor e naturalidade, especialmente em produtos com frutas ou aromas adicionados, que precisam transmitir frescor e apelo sensorial imediato.
Sobremesas lácteas e cremes aplicam corantes para recriar tonalidades que remetem a sabores, como por exemplo, baunilha, caramelo e frutas vermelhas, e aumentar a atratividade em potes e embalagens individuais.
Já o segmento de leites aromatizados e produtos especiais, embora menos intensivo em corantes, utiliza pigmentos para destacar sabores diferenciados, como chocolate, morango e café, especialmente em linhas premium.
No Brasil, o setor lácteo é um dos mais robustos da indústria de alimentos, com produção anual superior a 30 bilhões de litros de leite e uma gama diversificada de derivados. Estima-se que o consumo de corantes alimentícios em lácteos represente cerca de 18% do mercado nacional de corantes, segundo estudo da Mintel.
A preferência por corantes naturais é crescente, acompanhando as tendências globais, embora o uso de corantes artificiais ainda seja comum em queijos processados e alguns iogurtes industriais, em razão do custo e estabilidade. Estudos da Innova Market Insights apontam que mais de 70% dos lançamentos de produtos lácteos no Brasil nos últimos dois anos incorporaram corantes naturais, destacando ingredientes como cúrcuma, urucum, beterraba e spirulina.
Outro aspecto relevante no mercado brasileiro é a regulamentação da ANVISA, que impõe limites rigorosos para o uso de corantes, especialmente os artificiais, incentivando a indústria a buscar alternativas naturais e tecnologias que aumentem a sua estabilidade e vida útil.
Como um dos principais produtores e consumidores de lácteos da América Latina, o Brasil segue as tendências globais de crescimento no uso de corantes naturais, alinhando regulamentação, demanda do consumidor e inovação tecnológica para o desenvolvimento de produtos visualmente atraentes e com perfil clean label.
Tradição, inovação e diferenciação
Os corantes desempenham papel essencial na formulação de produtos lácteos, contribuindo não apenas para o apelo visual, mas também para a percepção sensorial, atributos de qualidade e diferenciação no ponto de venda.
Tradicionalmente, o setor lácteo recorreu aos corantes sintéticos, como a tartrazina (amarelo), o vermelho 40 e o azul brilhante, que proporcionam tonalidades vibrantes, estabilidade em processamento térmico e custo competitivo. Embora ainda presentes em algumas categorias, sua aplicação vem sendo gradualmente substituída ou complementada pelos corantes naturais, impulsionada pela demanda crescente por rótulos mais limpos e apelo natural.
Nesse contexto, os corantes naturais assumiram papel central na inovação de produtos lácteos, oferecendo não apenas alternativas mais alinhadas às expectativas dos consumidores por naturalidade, mas também novas possibilidades estéticas e sensoriais.
Entre as opções mais relevantes, o betacaroteno se destaca por sua capacidade de conferir tonalidades que variam do amarelo suave ao laranja vibrante, dependendo da concentração e da matriz do produto. Obtido a partir de fontes como cenoura e a microalga Dunaliella salina, possui excelente estabilidade frente a processos térmicos e exposição à luz, especialmente quando utilizado em sistemas encapsulados ou oleosos, sendo ideal para aplicações em queijos processados, manteigas e sobremesas lácteas, onde reforça a percepção de qualidade e sabor tradicional.
A cúrcuma, cujo principal pigmento é a curcumina, oferece um tom amarelo intenso e brilhante, muito valorizado não apenas pelo aspecto visual, mas também pelo apelo funcional associado às propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. É particularmente utilizado em bebidas lácteas fermentadas, iogurtes e sobremesas que buscam agregar valor com ingredientes reconhecidos por seus benefícios à saúde. No entanto, sua sensibilidade ao pH e à luz exige cuidados específicos no desenvolvimento de produtos, como o ajuste da formulação e o uso de embalagens que minimizem a degradação.
O carmim, tradicionalmente extraído da cochonilha, é um dos corantes naturais mais antigos e amplamente utilizados na indústria alimentícia, oferecendo uma paleta de tons que vai do vermelho vibrante ao rosa suave. Em produtos lácteos, é aplicado com frequência em iogurtes aromatizados, petit-suisse, sorvetes e sobremesas, devido a sua alta estabilidade térmica e resistência à luz, além de apresentar boa performance em matrizes com diferentes teores de gordura e proteínas. Apesar de ser um ingrediente natural, sua origem animal impõe restrições em produtos voltados a consumidores veganos ou com preocupações éticas específicas.
As antocianinas representam uma das categorias mais versáteis e atrativas de corantes naturais, proporcionando uma ampla gama de tonalidades, incluindo vermelhos, roxos e azuis, dependendo do pH do meio em que são aplicadas. Extraídas de diversas fontes vegetais, como uvas, frutas vermelhas, cenoura roxa, repolho roxo e batata-doce roxa, são altamente valorizadas na indústria láctea pela associação imediata com ingredientes naturais e saudáveis. Sua aplicação é particularmente expressiva em iogurtes, smoothies lácteos, bebidas fermentadas e sobremesas, onde criam apelo visual fresco e contemporâneo. No entanto, sua estabilidade é um desafio, pois são sensíveis a alterações de pH, oxigênio e luz, demandando soluções tecnológicas como o uso de antioxidantes, microencapsulação ou combinação com outros ingredientes estabilizantes.
As clorofilas, pigmentos responsáveis pela coloração verde das plantas, também têm espaço nas formulações lácteas, especialmente na forma de clorofilina cúprica, uma versão mais estável obtida por substituição do magnésio por cobre na molécula. Embora menos comuns em produtos lácteos tradicionais, as clorofilas e seus derivados são empregados principalmente em sobremesas, coberturas e formulações lúdicas, contribuindo com tons de verde que evocam frescor, naturalidade e apelo botânico. Contudo, apresentam sensibilidade à acidez e à oxidação, o que limita seu uso em algumas matrizes lácteas, sendo mais adequadas para produtos de pH neutro ou ligeiramente alcalino, além de requererem proteção contra a exposição prolongada à luz.
O caramelo natural, obtido por aquecimento controlado de açúcares, oferece uma gama de tonalidades que variam do dourado claro ao marrom escuro, com intensas notas visuais associadas ao tostado e ao caramelizado. Seu uso na indústria láctea é consolidado, especialmente em bebidas lácteas aromatizadas, sobremesas, doces de leite, iogurtes com notas de baunilha ou toffee, e coberturas. Além da coloração, contribui para a percepção sensorial do produto, reforçando características de sabor e textura. Como vantagem tecnológica, apresenta alta estabilidade frente a processos térmicos e ao armazenamento, sendo uma escolha segura para aplicações que exigem robustez em termos de cor e sabor.
Cada um desses corantes naturais oferece à indústria láctea possibilidades distintas de diferenciação visual e sensorial, permitindo o desenvolvimento de produtos alinhados às novas demandas de consumo. O sucesso na aplicação desses ingredientes depende de um profundo conhecimento das suas propriedades físico-químicas, desafios de estabilidade e interação com a matriz láctea, aspectos fundamentais para o desenvolvimento de soluções inovadoras e competitivas no mercado atual.
Mais cor… em uma variedade de opções

Vinicius Foramiglio, Especialista de Produtos – Nutrição da IMCD Brasil











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